segunda-feira, 12 de setembro de 2016

REITOR DA UFLA CRIA COORDENADORIA DAS ‘DIFERENÇAS’

Pasta, criada meses após polêmica de repercussão nacional, ainda não conta com uma equipe de trabalho


Após se envolver em uma polêmica, em maio deste ano, ao propor a criação de um ‘cadastro de saia’, o reitor da Universidade Federal de Lavras (UFLA), professor José Roberto Soares Scolforo, reacende a discussão sobre as dificuldades da direção da instituição quando o assunto tratar sobre diversidade. 

Com um nome que gera controvérsias e sem definir ninguém até o momento para ocupar o posto, em um dos primeiros atos de seu segundo mandato, o reitor criou a Coordenadoria para Assuntos das Diversidades e Diferenças. 


A pasta, criada por meio da Portaria nº 1.078, de 29 de julho e subordinada a estrutura Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC), veio quase dois meses após um estudante ter sido impedido por vigias de entrar na universidade por estar usando uma saia.

O ato, que teve grande repercussão nacional, gerou revolta e um grupo de estudantes realizou um protesto no campus e a posterior ocupação da reitoria da universidade. 

Em entrevista para a EPTV Sul de Minas, na época, o dirigente chegou a propor a criação de um cadastro. 

“Vamos trabalhar um cadastro para que as pessoas que têm essa opção, elas se cadastrem e os vigilantes vão saber então que essas pessoas têm essa forma de se vestir como opção”, disse. 

Ainda na entrevista, o reitor disse que a abordagem se deu porque “a pessoa veio fora de um padrão”. 

No outro dia, a universidade, por meio de nota, informou que desistiu de criar o cadastro e que abriu uma sindicância investigativa para apurar o fato ocorrido. 

A universidade nega que a ação dos vigias fosse homofobia, mas diante dos acontecimentos, cresceu no campus as discussões sobre políticas afirmativas e de prevenção às diversas formas de discriminação. Há também, relatos de situações envolvendo riscos e assédio a mulheres na instituição.

Sugestões
Uma reivindicação dos estudantes passou a ser então a criação de uma comissão de direitos humanos, com o objetivo de receber as denúncias, propor ações educativas e atuar no combate as discriminações por gênero, raça, identidades e todas as formas de expressão na Universidade Federal de Lavras.

Desde o acontecimento, algumas reuniões e debates já foram realizados pela comunidade acadêmica.

Para uma docente da universidade, consultada pela reportagem do Blog O Corvo-Veloz, a ação do reitor em criar uma coordenadoria ‘das diferenças’, sem antes abrir uma discussão com a comunidade acadêmica, não contribui com as lutas internas. 

"Não é criando mais um cargo, sem diálogo, que vamos resolver as questões relacionadas as diversidades no campus", desabafa.

Ela ainda destacou: “Uma coordenadoria dentro da estrutura de uma pró-reitoria não terá autonomia para executar ações e projetos. É uma medida totalmente equivocada, feita no calor das emoções, sem abrir um diálogo com a comunidade acadêmica. Nós esperamos que após o fato lamentável ocorrido aqui, pudéssemos criar canais de discussão e propor ações conjuntas”.

Nas discussões que já tem sido feitas em eventos no campus, a autonomia é um consenso para a criação de uma comissão ou qualquer outra ação relacionada a direitos humanos na UFLA. 

Sem rumo
Com mais de um mês de criação, a escolha do nome da coordenadoria, a ausência de um nome para ocupar o posto e de projeto de trabalho, mostra que a gestão da instituição tem dificuldade em lidar com temas relacionados às diversidades que uma universidade possui.

A questão é compartilhada por um estudante, que pediu para não ser identificado. Para ele, não existe uma política da própria da gestão em relação ao assunto, sendo assim difícil criar expectativas sobre a atuação da coordenadoria. 

“Não vejo como vão atuar assim de forma unilateral nisso. Não existem aqui na UFLA, no âmbito da direção, discussões sobre as diversidades, sejam elas de cunho étnico racial, sexual, religiosa, gênero, políticas efetivas para pessoas com deficiência”, ressaltou ele.

Na instituição, trabalhos e discussões sobre as diversas formas de diversidades são realizadas por docentes, servidores, estudantes, lideranças, em atividades curriculares ou eventos, principalmente envolvendo locais como os departamentos de Educação (DED), Direito (DIR) e Ciências Humanas (DCH), grupos de estudos, entidades como o DCE e centros acadêmicos, a Associação dos Docentes (Adufla), Sindicato dos Servidores (SindUfla) e movimentos como os coletivos de Mulheres da UFLA, Negritude Dandara Zumbi, Frente Estudantil, entre outros.

Ainda de acordo com a professora consultada pela reportagem, o mais correto seria a direção buscar essas experiências que já estão sendo feitas e discutidas e dialogar com a comunidade, antes de criar uma pasta para tratar destes temas.

Bom exemplo institucional
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) tem se destacado nos últimos nas questões envolvendo ações afirmativas. As conquistas na instituição tem sido possíveis com a criação da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf).

A diretoria foi criada por meio da  Portaria n. 1.172 de 15 de setembro de 2014 e é vinculada diretamente ao Gabinete do Reitor, o que garante maior autonomia das atividades. 

Suas atribuições foram estabelecidas com a finalidade de promover condições institucionais que permitam a implementação e acompanhamento de políticas públicas voltadas às ações afirmativas na UFJF, entre os discentes, docentes e técnico-administrativos em educação.  

Entre as ações desempenhadas pela Diretoria de Ações Afirmativas no âmbito da Universidade Federal de Juiz de Fora está estabelecer diretrizes que permitam a contextualização das ações da comunidade universitária frente à Política de cotas para o ingresso no ensino superior, em cursos de graduação, determinada pela Lei n. 12.711 de agosto de 2012.

Além disso, a Diaaf também traça estratégias técnicas e político-institucionais que visem o acompanhamento dos grupos de alunos cotistas, mediante o levantamento de dados diversos e o incentivo de oferta de políticas institucionais a serem mobilizadas por órgãos e agentes públicos da UFJF e da sociedade em geral.

A Diretoria também trabalha para constituir e articular ações próprias à sensibilização e mobilização da comunidade universitária para a convivência cidadã e social com as diversas realidades que presentes na diversidade social (correlacionadas à gênero e sexualidade, à etnia, à tradição das culturas, e à vulnerabilidade socioeconômica) atuando especialmente na diretriz da discriminação positiva, em todos os segmentos da universidade.

Fomentar e consolidar o cuidado e atuação no campo da acessibilidade física e psicológica das pessoas integrantes da universidade, propiciando sua convivência integrada na comunidade universitária e assessorar órgãos diversos no planejamento e programação de ações que apontem para a atenção à vivência da diversidade UFJF, também fazer parte de suas competências.

Com a implantação da Diaaf, a comunidade acadêmica e a sociedade obtiveram outra grande conquista: a criação da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas.

O órgão atua no combate a quaisquer tipos de discriminação e violência, atendendo um dos principais anseios da comunidade acadêmica; e a utilização de mecanismos de gestão para o autoconhecimento institucional e a consequente otimização dos serviços prestados pela universidade. 

Com o objetivo de melhorar a infraestrutura e desenvolver políticas de identificação, apoio e prevenção aos casos de violência, sem fechar o acesso da comunidade não acadêmica aos campi, o Conselho Superior (Consu) da UFJF criou, em maio de 2016, a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas.

De acordo com a vice-reitora, Girlene Silva, o espaço para denúncias em caso de violência é uma resposta da UFJF para o atual momento vivido pelo país. 

“Ela tem uma importância para a sociedade brasileira – e nós pensamos em sociedade porque a Universidade não está fora dela – porque é fomentada por um momento em que o Brasil passa por uma grande crise, com a crescente onda de violência contra a mulher, contra o negro e contra as minorias, em geral. A ouvidoria faz com que a Universidade dê uma resposta porque é nosso papel combatermos qualquer tipo de opressão, preconceito ou discriminação”, diz.

“Ela vem acolher estudantes, técnicos e professores, nessas questões de assédio, violência. A sensibilidade da reitoria é muito importante para que a gente possa desenvolver essas políticas”, avalia o diretor de Ações Afirmativas, Julvan Moreira de Oliveira.

A ouvidoria foi criado já no início da gestão executiva da instituição. O órgão, que oferece garantia de anonimato às vítimas, atende provisoriamente na sala da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, ou por meio do telefone (32) 2102-6919.

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