quinta-feira, 4 de agosto de 2016

UM ANÃO DE JARDIM

Entrevistreta com o cronista tricoronário Lelo de Brito

Habemus croniquetas no tucanistão tricardíaco! 

É vivo Eu, anão do meu jardim, livreto das croniquetas escolhidas de Lelo de Brito – o famoso quem? - que arrancou “suspiros indecifráveis” de público e crítica.  

Por isto, na última segunda-feira de julho, dia 25, o poeta e executivo internacional Ricardo Marcato recebeu o autor no Zep Diner, em Los Angeles, para um bate-papo. Há mais de uma década, eles foram parceiros no bom e velho caderno cultural O Gr!To


Publicado no tricardíaco Jornal Três, nos primeiros anos deste século infante, O Gr!to rendeu 32 edições. Nas páginas do charmoso caderno cultural circularam contos, crítica cultural, poesia e ilustrações, além das primeiras experimentações literárias de Lelo de Brito. O autor de Eu, anão do meu jardim foi um dos últimos a integrar a trupe, que contava com Ronan Moreira, Roberto Iemini de Carvalho, Roberto Ferreira, Bruno Mafra, entre outros doidivanas. À época, a relação de Ricardo Marcato com a literatura russa o levou a ser personagem de uma crônica de Afonso Romano Sant’anna


As reuniões de pauta com a patota eram aos sábados à tarde, no extinto Mezzanino, o bar do Fernando, hoje Café da Torre; e quase sempre terminaram bem. 

Confira o bate-papo!

Marcato – Comecemos pelo fim. Como acabou O Gr!to!?

Lelo – Foi insólito. O caderno ia bem, de vento em popa, o que podia ter durado até a mudança de Ronan Moreira para Portugal, tempos mais tarde. Mas, a caminho de uma reunião de pauta qualquer, fui abordado na rua por um cara ruivo, maior que eu, um tipo viking, barbudo e impaciente. Ele tinha um Jornal Três em mãos, tirou do calhamaço O Gr!to e, sacudindo as folhas sobre a minha cabeça, mo disse, “O poeta Iemini não pode saber tanto, a cada edição ele escreve sobre um assunto diferente. Não pode ser verdade, eu não acredito em vocês.” No bar do Fernando, antes da nossa reunião, eu contei-lhes o episódio, “juventude, fui abordado na rua por um viking eriçado que não acredita mais em O Gr!to. Ninguém acredita mais, é o fim da linha. Hora de pararmos.” E paramos. 

Marcato – Taí uma boa versão para o fim, mas não foi assim. Falemos do seu livreto. Aliás, falemos do livreto depois. Eu o li, e cheguei ao final com a seguinte pergunta em mente: por que você escreve?

Lelo - Comecei a escrever por recomendação do meu taxidemista. E venho tentando parar com a ajuda do “E. A”, o Escribas Anônimos. Imagino que alguém, se descobre porque escreve, passa a correr o risco de trocar a escrita pela resposta, a ação pelo motivo. Sem ter ideia dos motivos, escrevo talvez por fazer parte da discreta e imensa comunidade dos humanos, pouco úteis à sociedade, capazes de se moverem apenas por sanha, pelo cio. Só faço o que não consigo evitar. Minha utopia é dominar a arte de ser desnecessário. Não gosto de ler, nem de escrever, detesto. Sou como toda a gente, não me resta tempo para distrações. Aliás, eu não gosto de nada. Não gosto do ar, não gosto do mar, não gosto de você e não gosto de mim. 

Marcato - E as croniquetas?

Lelo - Uma ou duas se salvam. 


Marcato – Como é o livro?

Lelo - Não é um livro, Marcatovisk, é um livreto. Tem só umas 40 páginas, sem unidade temática ou estilística. São 12 pequenas histórias inventadas, que convidam mais ao riso que à gargalhada, encantam os maus leitores e fazem dormir os bons. E nisto vai uma qualidade formidável do livreto, muitos bons leitores sofrem de insônia. Há nele pequenas biografias de personagens inventados e histórias inventadas a partir de fatos históricos. As mulheres povoam as narrativas, e não como bibelôs ou fetiches. As croniquetas apresentam pelo menos três mulheres fascinantes, criativas, plenas, uma delas a minha avó Rosa. Mas o livreto não chega a ser edificante. Não é empolgante como estar em companhia de sua melhor amiga ao quadrado. É um livreto ubuntu: nas croniquetas o anarquista que há em mim se junta ao ingênuo que há em você, e eu sou e você é porque nós somos. 

Marcato – As croniquetas têm sido bem recebidas? Os leitores estão gostando?

Lelo - Eu tenho sido bem recebido em companhia delas. Foram divertidos os dois lançamentos mundiais: na roda de choro do Bar do Salomão, em BH, e no Tushi Café, em Três Corações. O lançamento interplanetário, em Varginha, já está a caminho. Então, até semana que vem o livreto terá sido apresentado a três balcões de bar enquanto desconhece uma livraria. Não é genial? 


Mas da relação das estórias com seus primeiro leitores eu não sei dizer nada. Leitores especializados e os bons amigos coincidiram num suspiro indecifrável. O Beto (Iemini) considerou o livreto profundo e sábio. Minha amiga Elen (Duarte) leu nas histórias “boas e más distrações”. Parece-me que o livreto tem a galhardia da mediocridade, o que não é pouco. Quero dizer, fracassei, naturalmente.

Marcato – Você acha que com a entrevista conquistará novos leitores?

Lelo - Provavelmente não, e devia. É o que devo fazer agora. Mas não queria falar disto, quero falar do ato de escrever. Escrever literatura diz respeito a contar fantasia, e com tal graça que o texto por si mesmo saiba pescar seus leitores. Ter êxito aí é o diabo, uma coisa de engenho e tino, como lançar um foguete ao espaço sideral. Não dei conta de tanto. Então caricaturei, fiz as crônicas virarem croniquetas: um gênero raro, que não se encontra dando sopa por aí.  

Marcato – Elas têm vida. 

Lelo - Sim e não, claro! A vida pulsa muito por baixo do que se diz a respeito da vida. E talvez eu devesse não me atrever a falar disto, já que não curto muito a vida. Acho a vida meio chata, meio “z”. Você sabe. Assim como pensar, pensar é uma bobagem grega. Dá enxaqueca. Há outras formas interessantes de conviver com o tempo, como o cinema. Cinema é demais, é genial!

Marcato – Falemos mais de você. Antes do livreto você vinha bastante ligado à vida tricoronária, através do jornalismo e da política, dois campos sociais efervescentes.

Lelo - Sim, mas tive que cair fora, ou fui posto fora, ou os condenei a ficarem. Eu não consegui no jornalismo ser alguém que desancasse editores e donos de jornal, como um Jânio de Freitas ou um Tarso de Castro; sinto saudades putas do Paulão (Paulo César Pereira), do Folha do Sul, um personagem formidável, que sabe a política partidária brasileira de um ponto de vista radical e desabusado.

Enfim, não deu também para em política fazer grande coisa, já que eu estive voltado para o texto legislativo e a política no Brasil uma longa conversa ao pé do ouvido. E, ao dizê-lo, não faço juízo da vereança de Maurício Gadbem, com quem trabalhei e admiro. Ele vem cumprindo um papel importante no tucanistão tricardíaco. Porém, dadas as nossas instituições, no Brasil a política, quando boa, é um mal necessário. Hoje integro o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), mas ando afastado das decisões. 

Política e arte são duas grandes sintaxes da sociedade, duas sínteses. O jornalismo não, ou nem tanto. Atrás do jornalismo e da política eu só busquei o convívio com tradições textuais importantes. Já então eu não era muito interessado pela vida. Como se vê, falhei em tudo. Oxalá o livreto me supere.   

Marcato – O livreto faz parte da vida?

Lelo – Sim. Então falemos da vida. 


Por exemplo: é claro que ao nomear Três Corações nas páginas do livreto, e o outono de 2016, eu implicitamente me refiro ao caso, de triste memória, do assassino assassinado, que teve o corpo exumado e agredido, meses passados, no tucanistão tricoronário. Foi como fizeram também com o Querô, personagem de Plínio Marcos. 

Trecho
“Era de tardezinha, quando os homens, com suas armas, encontraram o Querô. Mas já não era necessário despejarem o veneno de suas metralhadoras no corpo inanimado. Querô já estava caído pra sempre. Assim mesmo, despejaram ódios no pequeno bandido. E ele ficou lá caído para sempre.” 

No caso tricardíaco, o “Querô” foi um jovem de 18 anos. Que viveu talvez 18 anos a 10 ou 12 quadras de minha casa. Matou, foi morto e teve o corpo violentado. Ele não conhecerá as minhas histórias e eu não conheci suas histórias. E o mais provável é que jamais contem a história dele. Contaram a história da morte. Mas, quem era ele? Como se chamava? No jornalismo, quis contar histórias assim, nem sempre houve espaço. 

Supõe-se que sejam histórias que a sociedade não quer ouvir. Meu ponto de vista é outro. Não haverá redução ampla ou duradoira das violências, da miséria e do banditismo, enquanto houver gente sem história entre nós. No registro jurídico vale mais a história do crime. Deviam condenar os culpados a contarem a sua história pessoal; e deviam passá-las nos gabinetes dos esbirros e das autoridades todas, mais ou menos como obrigam hoje a ver propagandas quem espera em filas. 

Contar as histórias, todas elas. Não se trata de humanidade, essa ideia cristã, ou de Direitos Humanos, essa luta formidável; é antes uma questão de contemporaneidade. Somos contemporâneos uns dos outros e precisamos encontrar meios de convivermos no tempo, de tornar a vida mais suportável, mais preciosa. 

As croniquetas, enquanto historiações, forcejam em direção a tornar a vida mais preciosa. Elas são cantos, pequenos sonhos que se sonha acordado, jogos e brincadeiras em torno do prazer de intercambiar histórias. 

Talvez elas recuperem para nós um pouco do prazer e da urgência de historiarmos. No mais, servirão para nada.  

Marcato – Vamos dar cabo nisto, já vou cansado.

Lelo – Porra, mas não fizemos nada. Ficamos aqui a tarde toda conversando à moda inglesa, em que um fala e o outro a cada duas horas diz, “yes”... 

Marcato – Que pergunta você gostaria que eu tivesse feito e eu não fiz?

Lelo – Sei lá, mas respondo mesmo assim. Na finalização do livreto foi decisiva a colaboração de Maurício Gadbem, ele acreditou nas croniquetas, as sonhou comigo. Estivemos juntos, eu, ele, o Dj Guilherme in Selecta, e o professor de música Gilberto Resende Junqueira. Além de Carina A. Duarte de Melo, que fez da revisão um trabalho literário. Sou muito agradecido a todos.

Marcato – Vamos às doses, fim de papo.  

Lelo – Fora Temer!

Marcato – Pobre-diabo... 


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